Posted: 28 Mar 2010 11:49 AM PDT
Felipe Matos partiu de Miami rumo a Washington no dia 1º de janeiro. Junto com três amigos, ele pede aprovação de reforma migratória.
Como todo estudante que vive nos Estados Unidos, o carioca Felipe Matos, 23 anos, esperou concluir o high school (equivalente ao segundo grau no Brasil) para se matricular em uma faculdade. Dono de um currículo invejável, tentou uma vaga na Duke University, uma das melhores universidades americanas, na Carolina do Norte. Após alguns dias, recebeu uma carta dos selecionadores afirmando que ele cumpria todos os critérios exigidos, mas não poderia estudar na instituição: a lei sobre imigração em vigor no estado impedia a efetivação de sua matrícula.
A decepção inicial se transformou em mobilização. O estudante se juntou a outros três amigos imigrantes – a equatoriana Gaby Pacheco, o colombiano Juan Rodriguez e o venezuelano Carlos Roa – e decidiu atravessar, a pé, os 2.400 quilômetros que separam Miami da capital do país, Washington, numa marcha pelo fim das deportações de jovens e pela aprovação do “Dream Act”. trata-se de uma emenda que é parte da prometida reforma migratória americana que está no Congresso desde 2001 e permite que jovens imigrantes ganhem um visto de residência de seis anos para cursar uma universidade.
Felipe emigrou para os Estados Unidos aos 14 anos porque a mãe, solteira, adoeceu e ficou sem condições de manter o filho. Mudou-se para a casa de parentes em Miami e se esforçou nos estudos. Foi escolhido o melhor aluno do estado da Flórida um dos 20 melhores do país. Mesmo assim, teria que pagar até quatro vezes mais que um estudante americano para cursar uma das faculdades top no estado.
“Para eu estudar, teria que pagar em torno de US$ 30 mil por ano. É [o preço de] uma casa! Pessoas que cresceram nos Estados Unidos e estudaram aqui desde cedo não conseguem atingir seus sonhos e suas habilidades. Em um momento de crise como este, o país precisa de pessoas habilitadas para se manter competitivo no mercado global. Estamos desperdiçando o talento dessas pessoas”, diz o brasileiro, que estuda economia numa universidade católica de Miami.
Atualmente na Carolina do Norte, os estudantes já percorreram cerca de 1.760 quilômetros desde que partiram de Miami, no dia 1º de janeiro. Pelo caminho e também por meio da internet, onde mantêm atualizado um site sobre a marcha chamada por eles de “Trail of Dreams” (“Trilha pelos Sonhos”), já recolheram mais de 30 mil assinaturas pela causa. O plano é chegar a Washington no dia 1º de maio, Dia Internacional do Trabalho.
Todos os dias, andam das 8h ao meio dia, quando param para almoçar, e retomam a caminhada das 14h às 18h. Após este horário, os estudantes que fazem parte da organização “Students for Equal Rights” (“Estudantes por Direitos Iguais”), realizam palestras sobre o tema em escolas, universidades e centros comunitários previamente agendadas por uma equipe de apoio na Flórida. Passam a noite num trailer que acompanha a jornada. Toda a estrutura é mantida por doações.
Entre o inverno com temperaturas abaixo de 0°C que enfrentaram desde que saíram de Miami, no dia 1º de janeiro, e o calor da primavera que segundo Felipe “tem marcado a pele” agora, também ouviram histórias de imigrantes, receberam apoios e ameaças. “Na Geórgia, fomos a uma passeata da Ku Klux Klan [organização racista americana que defende a supremacia branca e o protestantismo] contra o que eles chamam de invasão latina aos EUA. Eles falavam que todos os imigrantes eram cachorros mexicanos e deviam ser deportados”, conta Felipe.
Na última quarta-feira, quando 30 estudantes se juntaram à marcha na Carolina do Norte, o brasileiro disse ter abordado um homem que xingava a manifestação. “Mantive a calma porque nós decidimos nessa caminhada não teria nenhum tipo de violência, nem mesmo verbal e chegou um momento em que falei para ele: ‘Eu só queria dizer que eu sou um ser humano, como qualquer outro.’ Ele olhou no meu olho e disse: ‘Não completamente’.”
No início deste mês, na Geórgia, os estudantes decidiram encontrar o xerife R.L. “Butch” Conway, conhecido por ter deportado um grande número de imigrantes após ter adotado a política de montar barreiras policiais para flagrar motoristas estrangeiros sem licença para dirigir – documento que é vedado aos imigrantes em vários Estados.
“Muitas pessoas falaram que íamos ser presos e deportados. Mas quando saímos de Miami queríamos dar voz às pessoas que tem medo de falar. Ele não quis falar conosco, mas falamos com um comandante da policia e entregamos um estudo sobre problemas raciais na Georgia, que mostra como esse tipo de medidas contra a imigração não está ajudando, mas atrapalhando a situação de violência. Os imigrantes ficam com medo de relatar qualquer tipo de crime contra eles e serem deportados.”
O estudante critica o que chama de “crise de direitos humanos” na relação dos Estados Unidos com os imigrantes. “A administração Obama diz que nesse momento estão procurando apenas pessoas sem documentos que cometeram algum crime. Não é verdade. Uma amiga minha peruana acabou de me contar que a irmã foi deportada no caminho entre a casa e a escola. Também encontrei uma moça brasileira grávida que disse que todo dia tinha medo de ser separada dos filhos.”
Mesmo diante de todos os relatos negativos que ouviram de imigrantes durante a caminhada, o estudante carioca demonstra otimismo quanto à aprovação da reforma migratória. “Isso vai depender do movimento de imigrantes nos Estados Unidos. Felizmente quando começamos a andar nesse país, muita gente se aliou e jovens começaram a fazer outras ações semelhantes. Esse tipo de movimento vai fazer com que a lei passe.” Em meio aos exemplos contrários à causa, Felipe lembra de histórias positivas.
“Quando estávamos na Carolina do Sul, um homem chegou numa reunião comunitária que estávamos dando uma palestra e disse que os imigrantes são a razão de tudo de ruim que acontece nos Estados Undios. Depois da conversa que tivemos com ele, ele saiu de lá dizendo ‘A verdade é que eu cheguei aqui pensando uma coisa e saí pensando outra. Os imigrantes não são o que falam na televisão. Vocês sim merecem ter um caminho para a cidadania’”.
Fonte: G1
Posted: 27 Mar 2010 06:08 PM PDT
Ao escolher o Rio para escapar da guerra civil no Congo, Eureka, de 22 anos, engrossa uma estatística divulgada pelo Alto Comissário da ONU para Refugiados (Acnur): 50% dos refugiados no mundo vivem não em assentamentos, mas em áreas urbanas. Como mostra a reportagem de Ediane Merola, o dado foi divulgado na semana passada, durante o evento “Refugiados, deslocamentos e emergências nas cidades”, realizado durante o Fórum Mundial Urbano, na Zona Portuária. Segundo a Acnur, o Rio é o destino brasileiro mais procurado. Dos 4.200 refugiados que vivem no país atualmente, 2.280 estão na cidade e, assim como Eureka, a maioria enfrenta dificuldade para se manter e reconstruir a vida.
- Cheguei aqui sozinha, com 19 anos. Antes, passei pela Europa, trabalhei como babá. Mas aqui não consigo trabalho. Pensam que somos matadores, bandidos – diz Eureka, que atualmente treina judô na Equipe Ruffoni, em Jacarepaguá. – Também aprendi a fazer trança no cabelo e, às vezes, consigo dinheiro fazendo isso. Por mim, só tenho Deus.
Conseguir depoimentos como o de Eureka nem sempre é fácil. Os refugiados, mesmo os que estão com a documentação em dia, preferem o anonimato. Para defender e promover os direitos dessas pessoas, que geralmente chegam ao Rio só com a roupa do corpo, foi instalado na segunda-feira o Comitê Estadual Intersetorial de Políticas de Atenção aos Refugiados. Criado em dezembro passado, reúne membros de sete secretarias estaduais, da Defensoria Pública do estado, do Ministério Público estadual, da Alerj, da OAB, da Acnur e do Comitê Nacional para os Refugiados. A primeira reunião do grupo está marcada para 19 de abril.
No Rio, a Cáritas – órgão ligado à Arquidiocese – serve de porto seguro para os refugiados que chegam à cidade. De acordo com o diretor da entidade, Cândido da Ponte Neto, a maioria deles vem da Angola e do Congo, na África; e da Colômbia, na América Latina. as também tem argentinos, chilenos e até iraquianos.
Fonte: O Globo