Roberto Abraham Scaruffi

Monday, 31 January 2011


Posted: 30 Jan 2011 04:52 AM PST
Acre e Amazônia já receberam aproximadamente 500 haitianos. Planalto convoca às pressas reunião para discutir a questão
A chegada de aproximadamente 500 haitianos nos estados do Acre e do Amazonas desde setembro do ano passado assustou o governo federal. Na última quarta-feira o assunto ganhou prioridade na agenda do Palácio do Planalto com a notícia de que outro grupo com o mesmo contingente estaria chegando ao Brasil. O ministro chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, convocou às pressas uma reunião com os colegas José Eduardo Cardozo (Justiça), Alexandre Padilha (Saúde), Relações Exteriores (Antônio Patriota) e um representante da pasta da Defesa para tratar do assunto, mas o governo preferiu minimizar o problema.
O encontro serviu para definir as ações do governo federal para tentar organizar o fluxo migratório de haitianos, mas nada foi divulgado. Os haitianos chegam ao Brasil fugindo das conseqüências do terremoto de magnitude 7.0 na escala Richter que há pouco mais de um ano destruiu a capital Porto Príncipe, causou mais de 200 mil mortes e deixou outras 300 mil pessoas gravemente feridas, além de milhares contaminados por diversas doenças.
A primeira leva de refugiados do terremoto chegou em setembro pela cidade de Tabatinga, município do Amazonas localizado na fronteira do Brasil com a Colômbia e Peru. Às vésperas do Natal, outro grupo chegou a Brasiléia, no Acre, onde estão cerca de 100 estrangeiros. Os refugiados saem de quatro regiões diferentes no Haiti e chegam ao Brasil por um caminho tortuoso. Na primeira etapa, os haitianos atravessam a fronteira e chegam à vizinha República Dominicana. Depois, compram passagens em pequenos aviões ou barcos precários para o Panamá. De forma improvisada os refugiados conseguem chegar ao Equador e depois ao Peru, onde ficam nas cidades de Iñapare e Puerto Maldonado antes de pegarem a rodovia Transoceânica, estrada de 1.200 km que liga o Peru ao Acre.
Os refugiados chegam de ônibus, táxi e até caminhando. A primeira parada é a cidade de Assis Brasil e depois Brasiléia e Epitaciolândia, onde procuram a Polícia Federal e pedem refúgio. A viagem costuma durar dois meses. Um grupo de 30 haitianos conseguiu chegar à capital Rio Branco no final do ano passado. Parte deles arrumou dinheiro fazendo bicos e viajou para São Paulo em busca de emprego. Na capital paulista já existe uma colônia clandestina de refugiados. Em Brasiléia, onde está o maior número de haitianos, a prefeitura acomodou os estrangeiros em uma quadra esportiva coberta que serve de acampamento e nas pousadas. O governo do Acre está fornecendo cestas básicas. Até a semana passada, não havia crianças entre os migrantes que são na grande maioria homens entre 18 e 40 anos.

Qualificação profissional chama atenção
Os refugiados também chamam a atenção pela organização dos documentos e a qualificação profissional. Muitos são pedreiros, mestres de obras, carpinteiros, estudantes, professores universitários e até advogados. Todos falam a língua creole, oficial no Haiti, e o francês. Boa parte também se comunica em espanhol, inglês e até italiano. “Eles buscam trabalho para reconstruir a vida e até ajudar os parentes que ficaram no Haiti”, disse o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Henrique Corinto.

Nas entrevistas feitas pelos assistentes sociais, os haitianos revelam um surpreendente conhecimento das chances de emprego no Brasil. Sugerem, por exemplo, que sejam transferidos para Rondônia, estado onde estão sendo construídas duas grandes hidrelétricas – Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira – para que possam trabalhar na construção das barragens. Mas o principal objetivo dos haitianos é chegar a São Paulo. Os refugiados simpatizam com o Brasil. Além de conviverem com os soldados do Exército brasileiro que formam a Força de Paz no Haiti, revelam que escolheram o País porque o Brasil oferece as melhores condições de trabalho e boa hospitalidade. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) coletou sangue, urina e fezes para exames. Entre os refugiados abrigados no Acre estão duas mulheres grávidas. Os haitianos também receberam todas as vacinas oferecidas todo ano pelo governo aos brasileiros.
Pelas leis brasileiras, os haitianos que chegaram ao Acre e ao Amazonas deveriam ser deportados porque entraram no País sem visto. Mas os governos estaduais e a presidência da República não tomaram esta atitude por razões humanitárias. Para evitar que os refugiados transitem pelo estado, o governo do Acre fez um acordo com os haitianos para que permaneçam em Brasiléia em troca de acomodações, alimentação e assistência médica até a regularização dos documentos dos migrantes estrangeiros.