Roberto Abraham Scaruffi

Sunday, 27 February 2011


Posted: 26 Feb 2011 10:58 AM PST
Fonte: Terra Brasil
As forças de segurança e as milícias paramilitares líbias consideram indesejáveis e perigosos os telefones celulares usados por milhares de refugiados que fogem da violência desencadeada na Líbia, tomando caminho rumo à fronteira com a Tunísia.Cada vez que um jornalista conversa com um refugiado egípcio, tunisiano ou de qualquer outra nacionalidade (embora estas duas sejam as majoritárias) que atravessa a passagem fronteiriça de Ras el Jedir, ele se encontra com uma diversidade de histórias sobre como está a situação no país vizinho, umas mais truculentas, outras mais amenas. Mas o que é uma constante entre tantos testemunhos é o fato de que policiais e milícias líbias à paisana têm especial interesse em confiscar os telefones celulares dos refugiados.

E o motivo disso não é a mera apreensão dos aparelhos, mas a perseguição aos registros do que está acontecendo na Líbia, tal como relatam os refugiados à Agência Efe. Segundo eles, as forças de segurança não querem que sejam divulgados dados sobre a situação no país, onde o regime político do coronel Muammar Kadafi está ameaçado de ruir, após quase 42 anos no poder.
Venham de onde venham e contem o que contem os refugiados, a história do roubo do celular (“confisco”, como chamam oficialmente) aparece em todos os relatos dos refugiados, que, privados do aparelho, têm muito mais dificuldades de se comunicarem com familiares em seus países de origem.
Muitas vezes os agentes líbios roubam o celular, mas em outras eles o desmontam, tiram o cartão de memória e a bateria e devolvem o aparelho ao proprietário, obviamente já inutilizado. Gnawi, um egípcio que atravessou a fronteira na sexta-feira, relata à Efe que, em sua fuga da cidade líbia de Zawia, encontrou “mais de 30 postos de controle na estrada”. Neste sábado, ele foi levado ao acampamento provisório que o Exército tunisiano instalou no meio do deserto, perto da cidade de Choucha (a cerca de oito quilômetros de Ras el Jedir). Ele conta que, em cada posto de controle, a história era sempre a mesma: revistas intensivas por parte dos agentes líbios – algumas vezes uniformizados, outras à paisana – até encontrarem o celular, sem que faltassem insultos e xingamentos.
Alguns refugiados, como Mahmoud, tenta burlar a fiscalização e escondem o aparelho. No entanto, os líbios sempre acabam encontrando-o. O que acontece em seguida é previsível: insultos, empurrões e algum soco como punição. Em muitos casos, embora a estrada rumo a Ras el Jedir permaneça tranquila – só alterada pela presença de postos de controle -, nela é possível observar veículos queimados, resultado dos confrontos que atingem a zona ocidental da Líbia, onde Kadafi parece manter o controle. A avalanche de refugiados continua incessante em Ras el Jedir, de onde são transferidos para Choucha em diversos tipos de veículos, desde ônibus urbanos, até caminhonetes, carros particulares e táxis, que avançam superlotados de pessoas e bagagens até o acampamento provisório.
Ali, o Exército tunisiano montou tendas de campanha com capacidade para 30 pessoas, que aguardam o momento para serem repatriadas. Fontes militares tunisianas disseram à Efe que estimam somente para este sábado a passagem de 9 mil refugiados por Choucha, um número que dá ideia do crescente êxodo que vem ocorrendo desde o início da revolta na Líbia. “Só até 9h da manhã, passaram por aqui 700 refugiados, em sua maioria egípcios, mas também de outras nacionalidades, como malineses”, declarou à Efe um capitão do Exército tunisiano.
Os refugiados permanecem no acampamento 24 horas por dia. Dali, são transferidos ao aeroporto da ilha de Djerba, que dista a cerca de 130 quilômetros, onde abordam os aviões que o Governo egípcio fretou para repatriá-los. “Os refugiados estão muito cansados, em estado de choque, muito assustados. Têm fome e precisam de comida quente. Aqui nós fornecemos isso”, indica o oficial, a poucos metros de uma fila de homens de todas as idades que esperam pacientemente pela refeição preparada pelos militares, uma sopa de massa, água, pão e leite.

Líbios enfrentam repressão e desafiam Kadafi
Impulsionada pela derrocada dos presidentes da Tunísia e do Egito, a população da Líbia iniciou protestos contra o líder Muammar Kadafi, que comanda o país desde 1969. As manifestações começaram a tomar vulto no dia 17 de fevereiro, e, em poucos dias, ao menos a capital Trípoli e as cidades de Benghazi e Tobruk já haviam se tornado palco de confrontos entre manifestantes e o exército.

Os relatos vindos do país não são precisos, mas tudo leva a crer que a onda de protestos nas ruas líbias já é bem mais violenta do que as que derrubaram o tunisiano Ben Ali e o egípcio Mubarak. A população tem enfrentado uma dura repressão das forças armadas comandas por Kadafi. Há informações de que Força Aérea líbia teria bombardeado grupos de manifestantes em Trípoli. Estima-se que centenas de pessoas, entre manifestantes e policiais, tenham morrido.
Além da repressão, o governo líbio reagiu através dos pronunciamentos de Saif al-Islam , filho de Kadafi, que foi à TV acusar os protestos de um complô para dividir a Líbia, e do próprio Kadafi, que, também pela televisão, esbravejou durante mais de uma hora, xingando os contestadores de suas quatro décadas de governo centralizado e ameaçando-os de morte.
Além do clamor das ruas, a pressão política também cresce contra o coronel Kadafi. Internamente, um ministro líbio renunciou e pediu que as Forças Armadas se unissem à população. Vários embaixadores líbios também pediram renúncia ou, ao menos, teceram duras críticas à repressão. Além disso, o Conselho de Segurança das Nações Unidas fez reuniões emergenciais, nas quais responsabilizou Kadafi pelas mortes e indicou que a chacina na Líbia pode configurar um crime contra a humanidade.